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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Próximo Encontro (último do ano): 15/12/2012


C O N V I T E

O Ishtar - Espaço para Gestantes (Recife) convida para o próximo encontro do grupo, no dia 15/12/2012.

E mais um ano está acabando. Um ciclo que se fecha, dando início a outro.
Temos muito que caminhar, mas, também, muito que comemorar!
Que tal vir celebrar com a gente?

O último encontro do Ishtar-Recife em 2012 será especial:
 contaremos com casais que passaram pelo grupo e que tiveram seus
 bebês ao longo do ano contando suas histórias de parto. Por isso
 nosso encontro será no PARQUE DA JAQUEIRA. Traga a sua esteira ou
 canga e sua alegria para compartilhar!

Lembrando: Participe do BANCO DE VIDROS DO ISHTAR (parceria com o Grupo “Grávidas e Mamães do Recife” - Facebook). Uma iniciativa voluntária, que visa auxiliar as mulheres na manutenção da amamentação através de doações e empréstimo de vidros adequados ao armazenamento e pasteurização de leite materno.
 
 
Data:    15 de dezembro de 2012
Horário: A partir das 15h
Local:   Parque da Jaqueira, ao lado da capela

Mais informações:
(81) 92694187 / 85019777 / 99427144
 

A espera

Por Mariana Mesquita - http://estadointeressado.blogspot.com.br/2007/11/queria-poder-ter-escrito-sobre-as.html
 
Queria poder ter escrito sobre as muitas sensações que a gravidez me trouxe. Tinha criado até este espaço, mas travei completamente. Apesar do apoio contínuo de Leo, apesar de não ter tido nenhum problema real se configurando, me senti doente e desestimulada durante boa parte das 40 semanas em que Antonio esteve dentro de mim. Agora, me deu vontade de contar do parto. De um momento que pra mim foi especial e mágico, e que eu quero partilhar do jeito falho que puder - porque palavras não devem dar conta desse sentimento...

As contrações começaram do domingo, sete, para a segunda, oito de outubro. Mas o trabalho de parto, a preparação para o parto em si, vieram de muito antes. Começaram no momento em que tive de procurar um obstetra quando, ainda em janeiro, soube que estava grávida.

De posse do meu livrinho do plano de saúde fuleiro, liguei pra minha amiga Paula Viana, membro da Rede de Humanização do Nascimento e referência desde sempre quando o assunto é gravidez. “Leila Katz”, disse ela sem nem ler a lista. Mas meu livrinho só continha nomes de desconhecidos e o plano de saúde não fazia reembolso de consultas. Leo tinha acabado de chegar em Recife, estava desempregado, o bebê não era planejado e a gente não tinha idéia de onde tirar dinheiro para os inúmeros gastos que tinha pela frente. Resolvemos nos virar com os médicos conveniados...

Foi aí que começou a novela. O primeiro médico nos disse que não atendia pacientes obstétricos pelo meu plano, que pagava mal e ainda por cima tinha muitos usuários e poucas vagas disponíveis nos hospitais. Começamos a ficar assustados.

A segunda médica tinha acompanhado a gravidez de uma amiga e foi descrita como ótima, maravilhosa, sensacional. “Só não tivemos parto normal porque a nenê estava laçada”, contou minha amiga. E eu, que não sabia ainda que essa é a desculpa mais comum pros médicos fazerem cesáreas sem necessidade, embarquei na onda. Coitada da minha amiga que até hoje acha que ela é o máximo, e ainda sofreu complicações com a anestesia...

A tal obstetra não era exatamente ruim: deu o telefone de casa, o celular, se deixava incomodar a qualquer hora. E isso foi essencial pra mim porque descobrimos, na primeira ultrassom, que eu estava com um pequeno descolamento de placenta. Acabei obrigada a ficar em casa, tomando doses maciças de progesterona, faltando ao trabalho e sem receber meu salário por mais de um mês, porque o INSS não marcava a perícia. Tempos de liseu, tempos de estresse total. Leo em casa tomando conta de mim, e eu que inicialmente não tinha aceitado bem a idéia de uma gravidez, descobrindo que que queria muito que esse bebê vingasse. Foi só aí, por ironia do destino, que eu comecei a contar à maioria dos conhecidos que estava grávida. Foi só então que comecei a pensar num nome pro bebezinho e torcer pra que ele ficasse forte e saudável dentro de mim.

Superado o problema do descolamento, e após ter assumido para mim mesma que desejava muito ter esse filho, comecei a entrar em tudo que foi comunidade do Orkut sobre gravidez e amamentação. Entrei em contato com minha amiga carioca Ingrid Lotfi, que faz parte de um grupo que eu freqüentava no Rio, os Sambamantes, e também é doula e moderadora de uma lista de discussão via emails chamada Parto Nosso. Ingrid me passou alguns telefones das meninas ligadas à rede Parto do Princípio – mais especificamente, de Marina, de Julia e de Daniela. Eis então que um dia, saltei de pára-quedas numa reunião do grupo para casais grávidos Boa Hora, lá na Várzea.

Era uma situação meio esquizofrênica, porque eu estava sendo acompanhada por uma médica que eu sentia que não era partidária do parto normal e de repente me vi cercada de gente “radical”, muitos dos quais queriam parir em casa mesmo e defendiam a idéia com unhas e dentes. Logo num dos primeiros encontros, Dan passou um vídeo que mostrava uma mexicana parindo em família, dentro d’água. E eu sentia Leo arisco, sem querer discutir o assunto.

Acho que a gestação foi um período bem difícil pra Leo, também. Além de estar numa cidade nova, recém-chegado e recém-casado, tinha que enfrentar o fato de estar sem emprego e lidando com uma mulher pululando de hormônios e insegurança. Ele engordou mais de dez quilos e teve desejos alimentares estranhos. A referência de gravidez que tinha era a da mãe, que quase morreu de eclampsia quando ele tinha dez anos. Tinha um medo absurdo de que eu saísse sozinha, fizesse esforço, passasse mal. Um dia, explodiu chorando e confessou com todas as letras seu medo de que eu viesse a morrer no parto. Talvez por isso preferiu, durante muito tempo, que eu fizesse uma bendita cesárea eletiva e bem programadinha; talvez por isso fosse tão resistente à idéia de freqüentar o grupo de casais – alguns dos quais insistiam na idéia de que tivéssemos o bebê em casa. Como era no horário em que eu trabalhava dando aulas, fui a poucas reuniões – talvez cinco, seis? Destas, ele foi a umas três, se muito. Sempre reclamando que era longe e que eu não devia ficar pegando ônibus, grávida.
No grupo, de qualquer jeito, eu comecei a expor os meus anseios sobre a médica que me atendia e que fugia do assunto, toda vez que eu começava a falar sobre minha vontade de ter parto normal. “Não é hora de falar sobre isso”, dizia ela, no auge dos meus seis meses de gravidez. E eu pensava comigo mesma, “se não é hora agora, quando vai ser?” Acabei escolhendo uma outra médica da lista do plano e marcando consulta, pensando em mudar de obstetra. Foi trocar seis por meia dúzia: ela me viu acima do peso, operada de gastroplastia, e afirmou que eu deveria fazer cesárea de qualquer jeito, porque “não teria condições de fazer força com os músculos da barriga”. Me disse que eu tinha uma separação entre os feixes de músculos – uma “diástase” – e me acenou com um vale-brinde: faria uma espécie de plástica restauradora ainda durante o parto, aproveitando a incisão. Não mencionou o fato, claríssimo até para mim que sou leiga, de que operar uma barriga distendida pela gravidez não deveria dar um resultado muito promissor...

Desisti de trocar de obstetra porque, no dia seguinte, tive uma dorzinha nas costas e, ao recorrer à emergência de um hospital, a médica de plantão achou por bem fazer um “toque” em mim. O exame foi feito com tal delicadeza que passei três dias sangrando. A dor foi tanta e o medo de abortar foi tamanho, que minha pressão subiu instantaneamente – motivo pela qual a tal profissional me recomendou tomar umas injeções para maturar os pulmões do bebê, para prevenir-se contra a minha “eclampsia”. Desesperada, tentei falar com a nova médica por telefone, sem sucesso. No dia seguinte – era uma terça – ela atendeu, meio mal-humorada, e disse que só estaria disponível para me ver, se fosse o caso, na sexta seguinte. Prontamente, liguei para a obstetra anterior, que me tranqüilizou e atendeu de uma forma mais adequada.

Ou seja, voltei à estaca zero...

A obstetra que ficou me acompanhando prosseguiu fazendo um trabalho meio terrorista, minando minha autoconfiança. De acordo com ela, eu seria um caso complicadíssimo – obesa, gastroplastizada, primípara com mais de 30 anos. Para reforçar, pessoas de minha própria família, sem nenhuma formação médica e com boa intenção mas péssimo resultado, vinham me dizer que eu só poderia parir através de cesárea, por conta dos “meus problemas”. Uma delas chegou a perguntar se eu não iria ligar as trompas após Antonio nascer, uma vez que – em sua visão – era muito arriscado eu ter filhos.
Comecei a me sentir uma espécie de doente terminal. Só de exames, encheu-se uma pasta: mais de quinze ultrassons mapeando o estado da criança (sempre perfeita e posicionada para nascer normalmente), parecer cardiológico, hemogramas variados, e uma série absurda de umas cinco curvas glicêmicas feitas ao longo de um único mês (pra quem não sabe o que é, trata-se de um exame chatíssimo que obriga a pessoa a coletar sangue várias vezes ao longo do dia, para medir o nível de açúcar). Me sentia sempre cansada – em grande parte, por causa de uma anemia crônica causada pela gastroplastia que fiz há quatro anos, problema que se intensificou à medida que Antonio crescia. A médica, e Leo, por tabela, começaram a agir como se eu não tivesse condições de fazer nada e como se a cesárea fosse minha única opção para “desovar” a criança. E eu comecei a embarcar nessa onda, é claro. Uma mentira repetida várias vezes acaba virando verdade...

Mas, no fundo, eu não aceitava que as coisas se resolvessem assim.

Continuei freqüentando o Boa Hora e participando das comunidades no Orkut, e quando as pessoas insistiam que eu trocasse de médico, ficava irritada: como faria isso, sem dinheiro? Li um comentário em algum lugar mensurando os custos de um parto domiciliar com um médico famoso, em São Paulo, e o preço ultrapassava dez mil reais: sem chance pra mim. Comecei a internalizar a idéia de que, “um dia”, “no próximo filho”, “quando tivesse me planejado e poupado pra isso”, teria um VBAC (parto normal após cesárea). A sugestão que alguns me davam de que fosse tentar parir num hospital público também me desagradava, e após a última greve que houve aqui em Pernambuco, a sensação foi intensificada quando passaram na tevê várias entrevistas com mulheres que em pleno trabalho de parto não conseguiam vaga em lugar nenhum.

Comentando com Dan, ela me sugeriu novamente que procurasse Melania e Leila Katz. Consegui o contato de Melania no Orkut, deixei um recado pra ela e marquei uma consulta. Quando Leo soube, falou tanto que era absurdo gastar com um outro médico quando a gente tinha plano de saúde, que voltei do meio do caminho e deixei Mel esperando, sem explicação.

Dan foi insistente, e algum tempo depois acabei marcando com Leila, “só pra ouvir dela que o meu caso era de cesárea mesmo”. Leo foi comigo, meio a contragosto, após insistência de Leila, que disse ser muito importante a presença e apoio do marido – e ele, que havia estado comigo em cada consulta e cada exame até então, não poderia mesmo estar ausente.
O primeiro impacto foi chegar a um consultório quase vazio – num mau sentido, o da obstetra anterior parecia sala do SUS de tão lotada, e pra gente a sensação que dava é que tentava ganhar na quantidade e não na qualidade dos atendimentos. Leila passou quase duas horas conversando conosco, fazendo uma anamnese completa não só de meu histórico de saúde, mas da minha família toda e até da de Leo. Tinha um jeito tão tranqüilo que, ao aferir minha pressão, ela acabava caindo pra casa dos 11 x 6 ou perto disso. Fez gozação da quantidade de exames que eu tinha feito, ouviu o relato das minhas mazelas e foi categórica: uma pessoa com anemia não pode perder muito sangue, alguém com diabetes não deve cortar sete camadas de barriga se puder evitar, pressão alta não é por si mesma indicação de cesárea. Examinou os exames todos e constatou que eu NÃO era diabética, NÃO era velha nem gorda demais para ter um bebê, NÃO tinha pressão que justificasse tamanho alarde. “Você tem todas as condições para ter um parto normal”, me assegurou. Fez um exame de toque em mim e soltou a frase que começou a mudar o padrão do que vinha ouvindo até então: “seu colo é maravilhoso, poucas mulheres são assim na primeira gravidez”. Então, eu tinha algo de bom...

Ela ainda conversou sobre como seria possível parcelar o parto, dentro das minhas condições – e o valor, graças a Deus, não era nem perto do que eu temia. De repente, comecei a ver que seria possível, sim, ter meu filho do jeitinho que eu queria.

Leo foi embora meio calado, ruminando o encontro.
Leila viajou para defender a tese de doutorado em Campinas e nós decidimos só “romper” com a médica anterior após sua volta, com medo de eu passar mal no meio tempo e ficar sem assistência. Foi justamente o tempo de haver a “última consulta”: a dita cuja afirmou com todas as letras que, “por causa da minha diabetes e hipertensão”, não haveria outro jeito e a cesárea seria marcada para semana seguinte, no dia 19 de setembro – que depois descobri ser o dia mais conveniente para ela, para não perder consultório e operar “no atacado” várias pacientes, poupando tempo e ganhando mais dinheiro. Dois detalhes me irritaram muito: Antonio teria então cerca de 36 semanas de gestação e, assim, seria um risco muito elevado dele ser prematuro, e ela só queria operar na pior maternidade do meu plano de saúde, onde existem vários relatos de infecção hospitalar e até óbitos, simplesmente pelo fato de ser mais perto e cômodo para ela.

Saí calada, fervendo de ódio. A redenção se deu no lado de fora: Leo estava, finalmente, com tanta raiva quanto eu. Nunca mais pusemos os pés no consultório dessa “profissional”, que nos aguarda até hoje para “marcar o parto”. Nesse dia, eu cantava por dentro: tudo o que queria era que Leo se aliasse a mim, nesse projeto.

Só que não tive tempo de relaxar nem ficar feliz: nessa mesma semana, descobri que meu plano de saúde havia descredenciado o único hospital próximo de minha casa que tinha alguma qualidade no atendimento. Ou eu ia parir em Olinda, bem distante daqui, ou me sujeitava à tal maternidade ruim que a médica anterior queria que eu utilizasse. Corri imediatamente para uma entidade chamada Aduseps - Associação de Defesa dos Usuários de Planos de Saúde (sim, isso existe), contactei os advogados de lá, instauramos uma ação e conseguimos, após alguns dias, uma liminar obrigando o plano a pagar todas as custas do parto no hospital que eu queria. Isso não foi feito sem stress, numa época da gravidez em que tudo que eu queria era descansar e dar os últimos retoques no quartinho do nenê. Enfim, com 39 semanas e pouco, a liminar estava em minhas mãos e nada mais restava que não aguardar o dia D.
As consultas com Leila, a essa altura do campeonato, eram semanais, para compensar a falta de contato no início do pré-natal e para mapear com precisão a evolução da gravidez. Ela fez propaganda do meu colo “macio” e “apagado” para várias conhecidas minhas, e a três semanas do parto eu já tinha mais de dois centímetros de dilatação. Escrevi meu plano de parto, ousando verbalizar meus desejos a respeito dos procedimentos. Preparei as malas e uma lista de telefones e instruções para Leo, pensando que ficaria desesperado no dia, sem condições de tomar nenhuma decisão. Sem que ele soubesse, falei com Dan, que se dispôs a ser minha doula, e pedi para que assim que o trabalho de parto começasse, estivesse conosco o mais cedo possível, já que se tratava de dois marinheiros de primeira viagem sem muito suporte familiar nem transporte. Eu tinha medo inclusive da pressão dele subir, no meio do processo.

Pois no domingo, sete de outubro, com 40 semanas de gestação completas e após alguns alarmes falsos mal-interpretados pela novata no assunto, começaram realmente as primeiras contrações. Era madrugada, e cutuquei Leo. “Minha barriga está doendo”. Calado estava, calado ficou. “Leo, tá doendo”, insisti. “Já estourou alguma coisa?”, quis saber ele. Diante da negativa, virou de lado e dormiu. E eu fiquei até de manhã, tentando contar o período entre as contrações, esperando dar uma hora decente pra ligar e avisar a Dan, Leila, Melania e Thay, que também se ofereceu para ser minha doula.

A chegada

Por Mariana Mesquita - http://estadointeressado.blogspot.com.br/2007/11/tomei-um-banho-maravilhoso-de-chuva-na.html
 
Tomei um banho maravilhoso de chuva, na véspera do dia em que meu filho nasceu. As contrações, ainda leves, vinham acontecendo desde a madrugada de domingo, e na manhã da segunda Dan passou lá em casa e verificou que o trabalho de parto ainda não estava engrenado de verdade. Ela foi embora, e as contrações também... E então, à noitinha, eu e Leo resolvemos ajudar no processo: namoramos, bebi chá de canela e, seguindo conselho de Dan, fomos passear na praça de Casa Forte. Depois de dar uma única voltinha, a chuva começou a cair bem forte, logo na hora em que passei junto da árvore de mamãe. Leo ficou preocupado, querendo andar rápido – e eu querendo ir devagar, sentindo que era uma preparação, que não era só meu corpo que estava sendo lavado. Um vigia de prédio ainda acenou pra mim, oferecendo abrigo, mas o que eu queria era realmente me encharcar daquela água.

Dan voltou e passou a noite conosco, e ninguém dormiu direito. O que eu sentia mais eram as costas, e ficar deitada quando a dor vinha era quase insuportável. Ela e Leo se revezavam nas massagens, um alívio providencial. Avisamos a Leila e a Thayssa, e na manhãzinha da terça-feira elas chegaram, por volta das sete horas. Depois de um toque, viram que o processo estava bem encaminhado e seguimos para o hospital De Ávila. Cerca das nove da manhã, eu já tinha oito centímetros de dilatação e estava me sentindo tranqüila. Leo também parecia ótimo - aliás, talvez pelo fato de se sentir confiante na equipe médica, ficou sereno durante o processo todo, coisa que me surpreendeu.

Eu tinha várias fantasias ruins sobre como seria a internação: pensava em dificuldades, que não ia ter vaga... E pensava também que seria proibida de parir usando recursos mais humanizados de parto, como infelizmente tem acontecido em outros hospitais do Recife. Mas a equipe do De Ávila surpreendeu a todos nós: me recebeu sem problemas, apesar das confusões com meu antigo plano de saúde, e deixou que se instalasse uma piscina inflável em pleno quarto, sem que eu precisasse ir para a sala de cirurgia. De repente, eu tinha a possibilidade de ter o parto dos meus sonhos: na água, com uma equipe médica em quem eu confiava, e com a presença não de uma, mas de duas doulas!

Piscina cheia de água quente, lençol verde quebrando a luz da janela, e até um cedezinho de fundo, tocando no laptop de Melania... Entrei sozinha n’água, pensando que Leo ajudaria do lado de fora – mas ele, por inveja ou esperteza, enfiou-se n’água também, de cuecas - afinal, eu não era o único ser grávido daquela sala, ora!

Aí, veio o medo.

Medo de não dar conta.

Medo de não conseguir fazer força com a barriga e expulsar o bebê.

Engraçado: eu não tinha medo da dor em si, de “não agüentar o sofrimento”, como muitas mulheres alegam.

Meu medo era reflexo de tudo que me foi dito ao longo da gravidez, e por mais que racionalmente eu soubesse que não era verdade, meu inconsciente acreditava que eu era imperfeita e sem condições de parir uma criança.

Senti uma falta enorme, aguda, de minha avó e minha mãe, sabendo que aquele momento era uma passagem para uma condição diferente, e que não teria comigo a presença física delas. Minha mãe me disse uma vez que jamais deixaria um filho dela sozinho, sentindo medo... Mas onde estava ela agora, de onde eu ia tirar forças?

Tive vontade de chorar e não consegui, o desespero não deixava.

Comecei a ficar irritada com as pessoas ao meu redor, não queria que ninguém me tocasse na hora da dor, pedi para desligarem a música, e apesar de cercada por cinco pessoas atentas às minhas reações, creio que nunca me senti tão sozinha. Essa “travada” demorou um bocado: Antonio só nasceu no fim da tarde.

O cansaço de estar efetivamente sem comer nem dormir direito desde domingo – e dormindo mal já durante vários dias, sem achar posição confortável por causa da barriga – acabou vencendo e me ajudou a entrar numa espécie de transe. Eu já não sabia direito onde estava, e entre uma contração e outra, cochilava apoiada na borda da piscina.

Num dado momento, Leila quis fazer um toque e saí da água. Não lembro se depois voltei ou se foi aí que Melania sugeriu que eu experimentasse o banquinho, para ficar de cócoras. Concordei, embora a idéia de que o filhote nascesse na água fosse mais poética...
Leo sentou por trás de mim, no banquinho de parto, e as quatro ficaram na frente, nas posições mais variadas, tentando achar espaço no quarto que estava meio apertado (Leila mesma ficou espremida embaixo de uma pia). Eu sentia a dor, mas continuava achando que não ia conseguir (!).

Comecei a gritar alto, até ficar rouca, e creio que muita gente no hospital achou que eu estava morrendo, reforçando a impressão de que parto normal, e ainda por cima “a cru”, é algo excruciante. Só depois, nas fotos, vi a cara preocupada da pediatra de plantão, que certamente não tem muita vivência neste tipo de parto...

Os berros eram mais de pânico que de dor, mas eu não sabia disso naquele momento. Curioso é que, em momento nenhum, pedi ou achei que precisasse de anestesia.

Uma hora alguém disse que a cabecinha dele estava aparecendo, e eu não acreditei (!). Tentaram me mostrar com um espelho, e eu já meio desesperada com a dor das contrações e do tal “círculo de fogo”, não consegui ver nada. Até que tiraram uma foto e vieram me mostrar. Foi o suficiente para eu focar na expulsão e, algumas contrações depois, meu filho pulou de dentro de mim, escorregadio e todo sujinho de vérnix. Eram quatro e doze da tarde do dia nove de outubro de 2007.

A dor passou instantaneamente.

Eu, feito bicho, segurei meu filhotinho e fiquei cheirando e beijando aquela coisinha minúscula por um tempo que não sei precisar. Não contei os dedos dele para ver se estava tudo certo, como as pessoas dizem que as mães fazem. Eu só queria olhar a carinha dele, senti-lo perto do meu coração.

Entre uma lágrima e outra, apoiada no peito de Leo, passei a mão no cordão umbilical e me assombrei com a grossura daquilo e com o fato de que continuava pulsando, levando sangue, alimento, de mim para meu filho. De uma forma indissolúvel, nós dois éramos uma coisa única.

Senti como que um atordoamento lúcido, uma sensação concreta de que eu era mãe, mulher, poderosa: igual a qualquer mamífera, e ao mesmo tempo, especial e abençoada. Duvido que alguém consiga expor em palavras a sensação que é, fisiológica e psicologicamente, passar por um parto sem intervenções. Não digo que quem fez cesárea seja menos mãe, mas deixa de sentir essa avalanche de hormônios e sentimentos.
 
Leo, abraçado a nós, também foi envolvido nesse turbilhão, e resplandecia. Ele, que engordou e teve desejos durante a gravidez, foi ao berçário aprender a trocar fraldas e só não deu de mamar porque até agora os peitos dele não jorraram leite...

Não senti qualquer dor quando a placenta foi expulsa, mal me dei conta. Só olhava para Antonio, meu filho, meu. Aconchegado nos meus braços e mamando com força. Ele nasceu com uma marquinha vermelha na testa, sinal que deve sumir gradativamente ao longo dos meses e que parece uma borboleta, um coração, um anjo. E também com um dentinho incisivo, coisa que eu nunca tinha visto mas que, segundo disse a pediatra, não significa nenhum problema.

Leo cortou o cordão umbilical, Antonio berrou protestando, e quando a pediatra pediu licença para pesá-lo e avaliá-lo, sem sair do quarto, deixei-o nas mãos do pai e fui andando, sozinha, para o banheiro, e tomei uma ducha.

Não precisei de episiotomia (“pique”) nem de pontos. Não tive laceração significativa, apesar do meu meninão ter medido 54cm e pesado 3,860 kg. Antonio não foi aspirado, não sofreu nenhuma manipulação invasiva, não foi levado para o berçário e ficou direto conosco, no quarto onde nasceu.

Depois que as médicas foram embora, e que minha prima Dione veio me visitar, por volta das 19h, tive um “passamento”, por assim dizer. Senti como se tivesse uma placenta extra a ser expulsa, e na verdade tive um hematoma na vulva, coisa inevitável e rara de acontecer. Graças a Deus não fiz uma cesárea, porque senão ia ter perdido ainda mais sangue e a coisa ia ficar mais feia: fui ao banheiro e tive uma hemorragia enorme; só deu tempo de ligar para Leila e falar o que estava sentindo, antes de derrubar o celular no chão. Fiquei cinza, inconsciente, e depois soube que minha taxa de hemácias tinha caído para um terço do nível normal (eu já tinha uma anemia séria e crônica, anterior ao parto). Foi um choque feio e a sensação que Leo teve é de que eu ia morrer.

Não lembro de nada direito, apenas que minha prima ficou meio desesperada e que Leila e Melania voltaram para o hospital, para tomar as devidas providências (acabei tendo que receber três bolsas de sangue). Nada do que disse ou que me disseram ficou gravado em minha memória. Mas, já mais tarde, quando eu estava meio dormindo, Leo afastou-se (entrou no banheiro) e eu tive a nítida sensação de que havia alguém dentro do quarto, me olhando. Comentei com ele e a impressão que tivemos foi a mesma: é provável que ela estivesse comigo. Eu não poderia mesmo estar sozinha numa hora dessas.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Ishtar - Espaço para Gestantes (Recife) convida para o próximo encontro do grupo, no dia 08/12/2012.
O tema do nosso bate-papo será: “Higiene e sono dos bebês"
Que cuidados devemos ter com a higiene do recém-nascido? Fraldas de pano: uma alternativa viável? Como lidar com o sono do bebê? Ele dorme direto ou acorda várias vezes à noite? Dorme pouco/muito durante o dia? Onde o bebê deve dormir?
Contamos com a sua presença para enriquecer o nosso debate!
Lembrando: Participe do BANCO DE VIDROS DO ISHTAR (parceria com o Grupo “Grávidas e Mamães do Recife” - Facebook). uma iniciativa voluntária, que visa auxiliar as mulheres na manutenção da amamentação através de doações e empréstimo de vidros adequados ao armazenamento e pasteurização de leite materno.
Data:    08 de dezembro de 2012
Horário: 10:00 às 12:30
Local:   Mezanino da Livraria Cultura Recife, Paço Alfândega, Bairro do Recife.


******** Ishtar News ********
Olá, gostaria de saber se isso vai se prolongar muito. Minha filha já está assim desde os cinco meses. Agora tem nove e não dorme mais do que três hora seguidas. Há noites que desperta a cada hora. É desesperador. Ela dorme no peito e depois a coloco no berço. Quando acorda a primeira vez, levo para a cama comigo, porque se não, seria impossível para mim. Rapidamente ela dorme, mas não entendo porque desperta tanto. O senhor poderia esclarecer porque ela tem que se despertar tanto? Que devo fazer? Tentei utilizar o “nana nenê”, mas foi um desastre, daí que não sei por onde começar. 

Resposta do Dr. Carlos González: 

Querida amiga:

Na verdade, os bebês a partir dos 4 ou 5 meses começam a acordar muitas vezes à noite. Alguns apenas se acordam três ou quatro vezes por noite, mas posso afirmar que 6 ou 7 vezes não incomum. Fazem isso porque estão ficando independentes, porque já não esperam passivamente que a mãe venha cuidar deles, tornam-se, então, parte ativa no processo, e se tornam responsáveis por vigiar sua mãe, para assegurar que ela não foi embora. A cada hora, ou cada hora e meia, passam por um despertar parcial, uma fase de sono muito leve, na qual qualquer situação de perigo potencial termina por despertá-los. 

Nós, adultos, também temos esses momentos de despertar parcial: às vezes olhamos o despertador, são cinco horas e voltamos a dormir. Muitas vezes não nos lembramos de termos acordado, mas o fazemos. Se em algum desses momentos notamos que há um cheiro a queimado, ou há ruídos estranhos, ou nosso filho está vomitando, nos despertamos completamente. Se não há nenhum perigo, voltamos a dormir e, muitas vezes, nem lembramos. 

Os bebês não se importam nem um pouco com o cheiro de queimado ou se entraram ladrões em casa. O que importa para eles é se a mamãe está ou não. Se está, ela se encarregará de tudo. Se não está, terá de chamá-la, até que volte. Por isso dorme facilmente quando está na sua cama; a maioria das mães sequer se despertam completamente e, pela manhã, não se lembram se seu filho mamou três ou sete vezes naquela noite. 

Quando sua filha seja capaz de compreender “mamãe não está aqui, mas está no quarto do lado, ou na cama do lado, e não foi embora, e amanhã vestirá você e dará beijinhos"), será capaz de não chamá-la cada vez que se acorde. Mas, por enquanto, não pode. Para ela não há meios termos. Ou mamãe está aqui, e a estou tocando ou, melhor ainda, chupando, ou não está, e não sei se voltará algum dia. Entre os dois e três anos, geralmente, começam a chamar a mãe cada vez menos, e a partir dos três anos (isso é muito variável, claro), costumam dormir direto na maioria das noites ("dormir direto" ou, mais exatamente, despertar parcialmente e voltar a dormir sem chorar). 

De hoje até esse momento, o importante é que você a coloque para dormir. Que você tente continuar a dormir, aconteça o que acontecer, e que ela mesma se encarregue de buscar o peito. E que vocês se organizem para dormir como seja mais confortável para vocês. Muitas vezes o que mais esgota a mãe não é tanto o fato do bebê se despertar, mas sim de ela achar que é obrigada a acordar, a fazer “algo” para fazer com que o bebê durma, colocar para arrotar depois de mamar, ou a colocá-la em outro quarto, mesmo que isso seja muito mais incômodo para todos, porque ela vai passar a noite toda viajando de um quarto a outro.

Fonte: http://www.mibebeyyo.com/expertos-especialistas/otros-medicos/carlos-gonzalez-pediatra/hija-despierta-noche-3535
Tradução: Nélia de Paula - Organizadora do Ishtar-Recife e Tradutora Pública e Intérprete Comercial de Espanhol.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA - A voz das brasileiras

"Melhorar a qualidade da atenção ao parto e nascimento é um desafio complexo, que deve contar com a colaboração multi-setorial de vários agentes: profissionais de saúde, gestores, pesquisadores e docentes, e ainda, as mulheres, por meio do controle social. "


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Próximo encontro: 20/10/2012


C O N V I T E



Ishtar - Espaço para Gestantes (Recife) convida para o próximo encontro do grupo, no dia 20/10/2012.

O tema do nosso encontro será: “Reflexões sobre a experiência de parto entre mulheres que participaram de grupos de discussão pela humanização do parto e do nascimento”.

Neste encontro contaremos com a participação especial de Laís Oliveira, pela segunda vez gestante Ishtar, mãe de Valentin, psicóloga e futura Dra. Em antropologia.

Você frequenta grupos de apoio ao parto?
O grupo de apoio tem lhe ajudado no, ou lhe ajudou, no seu empoderamento?

Contamos com a sua presença para enriquecer o nosso debate!

Data: 20 de outubro de 2012
Horário: 10:00 às 12:30
Local: Mezanino da Livraria Cultura Recife, localizada no Paço Alfândega, Bairro do Recife.

Mais informações:

 (81) 92694187 / 88251274 - (81) 99427144 – (81) 88559284

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Olá Pessoal!
 
É com grande alegria que o Ishtar Recife convida você e sua família para um encontro muito especial: a comemoração de seus 5 anos de existência!
 
Foram muitos nascimentos respeitosos nessa feliz jornada. E você faz parte dessa história, então venha comemorar conosco no próximo sábado, dia 06 de outubro, as 15h, num delicioso piquenique no Parque da Jaqueira, ao lado da capela. Traga frutas e a sua alegria para compartilhar!
 
Contaremos também com a participação mais do que especial de Mariana Mesquita, da Sling Casulinho, para uma slingada. Você que quer conhecer melhor os slings, ou que já tem e está com dúvidas no uso, ou você que já é slingueira/slingueiro experiente, será mais do que bem vinda / bem vindo.
 
Para quem já tem filhos mais velhos, também vamos realizar uma feira de troca de brinquedos, colaborando com as ações para uma infância livre do consumismo. Funciona assim: seu filho ou filha traz um brinquedo em bom estado para ser trocado, os brinquedos ficarão expostos para a apreciação dos pequenos e eles mesmos negociam a troca que se interessarem. Assim, eles terão brinquedos novos!
 
A T E N Ç Ã O - Estaremos de volta a Livraria Cultura no horário habitual das 10h apenas no dia 20/10/12, visto que o segundo sábado, o dia 13, será o do feriadão. Enviaremos o convite deste encontro no momento oportuno.

Até lá!

RELEMBRANDO:
Data: 06/10/12
Horário: 15h
Local: Parque da Jaqueira, ao lado da capela
Programação: Piquenique, slingada e troca de brinquedos

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


C O N V I T E

Ishtar - Espaço para Gestantes (Recife) convida para o próximo encontro do grupo, no dia 25/08/2012.

O tema do nosso encontro será: “O parto domiciliar”.

É seguro ter um parto em casa? 
O que leva um casal a optar por um parto domiciliar? 
O que é preciso para ser ter um parto domiciliar com segurança?

Se você teve um parto domiciliar venha dividir conosco a sua história!
Contamos com a sua presença para enriquecer o nosso debate!

Data: 25 de agosto de 2012
Horário: 10:00 às 12:30
Local: Mezanino da Livraria Cultura Recife, localizada no Paço Alfândega, Bairro do Recife.

Mais informações:
(81) 92694187 / 88251274 - (81) 99427144 – (81) 88559284

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Inspiradas no tema da semana...
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Parto domiciliar: refletindo sobre paradigmas

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro”
(Ricardo Herbert Jones)
Ana Paula Caldas, médica neonatologista, em parto domiciliar, imediatamente depois do nascimento de Lis - Foto: Ana Cristina Duarte
Ana Paula Caldas, médica neonatologista, em seu parto domiciliar, imediatamente depois do nascimento de Lis - Foto: Ana Cristina Duarte
Quando começamos a escrever esta coluna para o Guia do Bebê, em 2010, nosso primeiro artigo abordou um assunto que começava então a despertar o interesse da mídia brasileira: o parto domiciliar (1). Na oportunidade, revisamos as evidências científicas disponíveis e concluímos que o parto domiciliar, uma realidade frequente em outros países, como Holanda, Inglaterra e Canadá, representava uma alternativa segura para as gestantes de baixo risco, resultando em menor taxa de intervenções como episiotomia, analgesia, operação cesariana e parto instrumental (fórceps e vácuo-extrator), sem aumento do risco de complicações para mães e bebês (2-4). Destacamos a publicação, em 2009, de um grande estudo de coorte comparando mais de 500.000 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo risco, no qual não se verificou diferença significativa no risco de morte fetal intraparto, morte neonatal precoce e admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal (4). 
Interrompendo temporariamente nossa série de artigos sobre Parto Normal vs. Cesárea (5-7), voltamos agora a abordar este tema, que recentemente retoma a atenção da mídia despertando intensa polêmica, depois da publicação de matéria online no site da maior revista de atualidades brasileira, com o título sensacionalista “Parto domiciliar: quando o risco não é necessário” (8). Depois de publicar uma controvertida matéria sobre os milagrosos efeitos de uma medicação antiobesidade (9) que não é aceita pela comunidade científica com esta finalidade (10,11) a revista volta a fazer incursões na área de saúde, mas desta vez em paz com os “conselhos de medicina”, ao alertar que o parto domiciliar estaria expondo mulheres e crianças a “complicações que podem ser graves” (8).
À parte considerações puramente semânticas às quais não iremos nos ater, a matéria presta um desserviço à população com suas afirmações categóricas e sem embasamento científico, em que se confundem mau jornalismo e julgamentos apressados, além de um amontoado de lugares-comuns, como exemplificado no seguinte trecho do primeiro parágrafo: “Depois da revolução pela qual a medicina passou no século 20, hospitais tornaram-se lugares mais seguros e indicados não só para tratamento de doentes, como para o nascimento de crianças. É regra que, dadas as condições, não faz mais sentido realizar um parto dentro casa, sujeito a problemas com consequências potencialmente desastrosas que poderiam ser resolvidas em um hospital. Regra, no entanto, que algumas mulheres moradoras de grandes centros urbanos, com todas as condições de usufruir desses avanços da medicina, questionam e ignoram. Essas mulheres defendem o parto à moda antiga, dentro de casa.”(8)
Ora, quem ditou essa regra que as transgressoras “moradoras de grandes centros urbanos” resolvem agora “questionar e ignorar”, defendendo o “parto à moda antiga”? Por que a revista afirma que hospitais são os “lugares mais seguros e indicados não só para tratamento de doentes, como para o nascimento de crianças”? Por que os representantes de conselhos e sociedades batem tanto na tecla de “riscos eminentes”? Seriam os riscos tão importantes assim ou foi somente um erro de grafia? E finalmente, quais são as reais implicações do artigo publicado por Joseph Wax (12) no “conceituado periódico médico internacional”, o American Journal of Obstetrics and Gynecology (AJOG)? 
Vamos por partes. Primeiro, é fato que houve grandes avanços na Medicina durante o século XX e que, por conta destes avanços, verificou-se notável queda da mortalidade materna e perinatal. Em decorrência da antissepsia e da descoberta de antibióticos, a par da introdução das modernas técnicas anestésicas, tornou-se mais seguro realizar uma cesariana, e é fato inconteste que uma cesariana bem indicada é salvadora (13,14). Transfusão sanguínea, uso de antibióticos, prevenção e tratamento das convulsões com sulfato de magnésio, todas essas tecnologias bem empregadas levaram à redução das mortes maternas por hemorragia, infecção e hipertensão e são estratégias que devem estar facilmente disponíveis nos serviços de saúde para as situações de alto risco (15). No entanto, taxas de cesariana superiores a 15%-20% não resultam em redução das complicações e da mortalidade materna e neonatal e, ao contrário, podem estar associadas a resultados prejudiciais tanto para a mãe como para o concepto (16-18).
Por outro lado, o processo de hospitalização do parto, coincidindo com esses avanços, gerou infelizmente uma elaborada proliferação de ritos e rituais em torno deste evento fisiológico, como alerta Robbie Davis-Floyd em seu instigante livro “Birth as an American Rite of Passage”(19). Esses ritos e rituais adotados pelo modelo tecnocrático de assistência ao parto vigente no mundo ocidental foram introduzidos sem evidências científicas corroborando sua efetividade e vieram como “respostas ao medo exagerado deste processo natural do qual depende a continuidade de nossa existência” (19). Como resultado, intervenções e procedimentos desnecessários como episiotomia (corte no períneo), raspagem dos pelos, lavagem intestinal, uso rotineiro de ocitocina para acelerar o trabalho de parto e cesarianas sem indicação foram progressivamente incorporados à prática médica e ainda seguem sendo realizados como rotina em muitos hospitais brasileiros. De fato, cada parturiente internada em hospital passa a ser vista como “paciente” e submetida, portanto, às “regras” desse hospital para todos os “doentes”(20) . 
Foi contra essa medicalização excessiva de um processo fisiológico que os movimentos de contracultura se voltaram nos anos 1960 e 1970, e foi como consequência da pressão desses movimentos que se começou a estudar a real necessidade, segurança e efetividade de muitos dos procedimentos estabelecidos como rotina na prática obstétrica diária (21). O novo paradigma da “Saúde Baseada em Evidências” , iniciando-se na Medicina e avançando progressivamente para outras áreas que passam a se integrar em uma perspectiva transdisciplinar, tem seus pilares na década de 1970 e 1980 exatamente na Saúde Materno-Infantil (22), como resposta aos questionamentos sobre o complexo emaranhado de rituais desnecessários permeando a assistência obstétrica e neonatal (19-22).
O movimento de retorno ao que se chama “parto à moda antiga” não é novo nem representa um modismo, e tampouco pretende abdicar do que a tecnologia tem de positivo e atraente, uma vez que intervenções necessárias são bem vindas. Todos os sistemas de saúde que facultam a opção de partos domiciliares como alternativa para as mulheres que assim o desejam contam com sistemas de classificação de risco e disponibilizam não apenas parteiras treinadas como um bom sistema de transferência e transporte, embora não seja verdade que uma ambulância ou UTI móvel fique à porta desses domicílios (2-4). A Organização Mundial de Saúde reconhece como profissionais habilitados para prestar assistência ao parto tanto médicos como enfermeiras-obstetras e parteiras (23) e recomenda que as mulheres podem escolher ter seus partos em casa se elas têm gestações de baixo-risco, recebem o nível apropriado de cuidado e formulam planos de contingência para transferência para uma unidade de saúde devidamente equipada se surgem problemas durante o parto (24,25). Por sua vez, a Federação Internacional de Ginecologistas e Obstetras (FIGO) recomenda que "uma mulher deve dar à luz num local onde se sinta segura, e no nível mais periférico onde a assistência adequada for viável e segura” (26). Tanto o American College of Nurse Midwives(27) como a American Public Health Association(28), o Royal College of Midwives (RCM) e o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) apoiam o parto domiciliar para mulheres com gestações não complicadas. De acordo com a diretriz do RCM e do RCOG, “não há motivos para que o parto domiciliar não seja oferecido a mulheres de baixo risco, uma vez que pode conferir consideráveis benefícios para estas e suas famílias” (29).
O que há de novo nos últimos anos é que o tema passou a ter maior visibilidade no Brasil, não somente com a divulgação dos partos domiciliares de algumas celebridades, mas principalmente com o constante debate nas redes sociais, permitindo que as mulheres compartilhassem suas experiências de parto, domiciliar ou hospitalar, e pudessem compará-las. Tornou-se bastante evidente que havia uma parcela crescente de mulheres insatisfeitas com o atual modelo de assistência obstétrica em nosso país, excessivamente tecnocrático e caracterizado por um lado pelas taxas de cesárea inaceitavelmente elevadas no setor privado e, por outro, pelos partos traumáticos e com excesso de intervenções no Sistema Público de Saúde. Apesar da política de Humanização da Assistência ao Parto e Nascimento preconizada pelo Ministério da Saúde no Brasil (30), é fato que o modelo atual, hospitalocêntrico e medicalocêntrico, não permite ainda à maior parte das usuárias ter uma assistência ao parto humanizada e segura. Vivemos ainda em um país onde, "quando não se corta por cima, se corta por baixo", como bem definem Diniz e Chachan, referindo-se às cesáreas e episiotomias desnecessárias (31). 
Para completar, uma em cada quatro mulheres brasileiras internadas para assistência ao parto em hospitais públicos ou privados relata ter sofrido violência institucional, traduzida por qualquer forma de agressão perpetrada pelos profissionais de saúde que lhe prestam atendimento. Essas agressões não envolvem apenas o uso de procedimentos, técnicas e exames dolorosos e desnecessários, mas até “ironias, gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatório quanto a classe social ou cor da pele” (32). A violência institucional durante o parto pode assumir múltiplas facetas e representa um problema internacionalmente reconhecido (33). Em diversos hospitais ainda não se permite a presença do acompanhante, mesmo com a Lei 11.108 estabelecendo a obrigatoriedade de tanto hospitais públicos como privados permitirem a presença, junto à parturiente, de um acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato (34).
Em contrapartida, com o crescente acesso à informação e a divulgação da realidade nua e crua do modelo de assistência obstétrica vigente no Brasil, diversas mulheres desejando uma assistência humanizada e segura para os seus partos puderam identificar outros modelos possíveis, já implementados e funcionando a contento em outros países, além de tomar conhecimento das evidências científicas comprovando efetividade e segurança dessas alternativas. Um exemplo é o modelo de assistência obstétrica conduzida por obstetrizes ou parteiras, cujos benefícios foram amplamente demonstrados em uma revisão sistemática da Biblioteca Cochrane: aqui nos referimos àquelas profissionais que fazem curso superior de Obstetrícia, as midwives em língua inglesa, sage-femmes na literatura francesa ou aindacomadronas em espanhol (35).
Essas mulheres, empoderadas e confiantes, não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos e outros países em que ainda predomina o modelo tecnocrático de assistência ao parto, começaram a buscar profissionais, médicos, enfermeiras-obstetras ou parteiras, que se dispusessem a auxiliá-las nesta jornada rumo a um parto respeitoso, humanizado e seguro. Essas mulheres se deram conta de que parir em suas residências era uma alternativa possível e não apenas luxo, modismo ou excentricidade de famosas. Essas mulheres pesquisaram, leram e estudaram as evidências, e conseguiram encontrar como parceiros os profissionais que também vinham trilhando sua própria jornada transformadora(36), profissionais que se respaldavam no novo e desafiante paradigma da Saúde Baseada em Evidências e buscavam, portanto, modelos de assistência ao parto que funcionassem sob esta perspectiva ecológica e sustentável (37).
Desta forma, verificou-se um aumento do número de partos domiciliares assistidos no Brasil e nos EUA (38-40) e, embora não disponhamos ainda de estatísticas confiáveis sobre o percentual de partos domiciliares planejados em nosso país, sabe-se que nas grandes cidades equipes transdisciplinares vêm se formando e atuando para prestar assistência a esses partos. Depoimentos de mulheres até então anônimas estão disponíveis em blogs e redes sociais. Grupos e comunidades sobre Parto Domiciliar discutem abertamente este tema. Twitter, Orkut e Facebook permitiram a milhares de mulheres trocar informações e partilhar experiências. O tema é palpitante, a discussão está no ar e, como se trata de remar contra a corrente, não é de se admirar que o establishment médico reaja e conselhos e entidades de classe comecem a se manifestar, em geral com posição contrária à prática. Esta reação era previsível, assim transcorrem as revoluções científicas, assim se procedem as mudanças de paradigma: o modelo atual, embora falido e não sustentável em longo prazo, permite ainda a muitos profissionais soluções cômodas a que estes se aferram, de dentro de sua zona de conforto, como a praticidade e a conveniência de programar cesarianas eletivas sem indicação médica definida. Curiosamente, são estes os mesmos profissionais que defendem o "direito" da mulher de escolher sua via de parto, embora aparentemente este direito tenha mão única, só valha para a minoria de mulheres que desejam uma cesariana (6) e não inclua aquelas que desejam um parto normal nem tampouco se estenda para a decisão sobre o local de parto. A voz das mulheres e o seu direito de escolha têm sido grandemente ignorados (39,41).
Não é, portanto, surpreendente a publicação de uma matéria sobre este tema na citada revista de atualidades. Infelizmente, como sói acontecer com as matérias de interesse à saúde publicadas na referida revista, esta é tendenciosa, parcial e não considera ou interpreta equivocadamente as evidências científicas pertinentes. O próprio posicionamento do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) é apresentado de forma incorreta, porque em sua última diretriz esta sociedade, conquanto explicite que considera hospitais e centros de parto normal mais seguros, reconhece o DIREITO das mulheres de escolher o local do parto. Citando literalmente o resumo da diretriz, publicada em fevereiro de 2011: “Embora o Comitê de Prática Obstétrica acredite que os hospitais e centros de parto normal sejam os locais mais seguros para o nascimento, ele respeita o direito de uma mulher de tomar uma decisão medicamente informada sobre o parto. Mulheres questionando sobre o parto domiciliar planejado deveriam ser informadas sobre os seus riscos e benefícios baseados nas recentes evidências. Especificamente, elas deveriam ser informadas que embora o risco absoluto possa ser baixo, o parto domiciliar planejado está associado com um risco duas a três vezes maior de morte neonatal quando comparado com o parto hospitalar planejado. É importante que as mulheres devam ser informadas que a adequada seleção de candidatas para o parto domiciliar; a disponibilidade de enfermeiras-obstetras ou parteiras certificadas, ou médicos atuando dentro de um sistema de saúde integrado e regulado; o pronto acesso à consulta; e a garantia de transporte seguro e rápido para os hospitais mais próximos são críticos para reduzir as taxas de mortalidade perinatal e obter desfechos favoráveis do parto domiciliar.” (42)
Interessante é que há cerca de seis meses, outra revista de atualidades, esta internacional, publicou matéria sobre o parto domiciliar: no número de 31 de março de 2011, “The Economist” aborda o tema em uma bela reportagem, exemplo de bom jornalismo. Com o título “Não há nenhum lugar como o lar?” e o subtítulo “O lugar onde as mulheres dão à luz é um assunto controverso no mundo rico”, a matéria prima pelo senso crítico, pelo rigor investigativo e pela isenção, apresentando prós e contras e discutindo o mesmo estudo citado pela revista brasileira, porém com destaque às críticas que este suscitou na comunidade científica. Ao final, em vez de fazer terrorismo contra o parto domiciliar e decretar qual o melhor local de parto para todas as mulheres, uma reflexão importante: “Como em muitos outros aspectos da criação dos filhos, o nascimento ao final irá depender da escolha dos pais – se preferem as luzes brilhantes e a abundância de métodos analgésicos de um hospital ou os confortos familiares do lar.”(43)
Em relação ao estudo citado como evidência dos riscos dos partos domiciliares, no qual o ACOG se apoia para desaconselhar o parto domiciliar, trata-se de uma revisão sistemática com metanálise (12) que tem sido extremamente criticada dentro da comunidade científica, por diversos vieses e erros metodológicos e estatísticos (44-49). Não se trata de um estudo original nem tampouco inclui ensaios clínicos randomizados, apenas estudos observacionais que foram mal interpretados e incluídos ou excluídos arbitrariamente pelos autores nas análises dos desfechos considerados de interesse (49). Esta metanálise tem sido amplamente divulgada como "prova" dos riscos perinatais decorrentes de partos domiciliares e constitui a base para as recomendações do ACOG em relação às informações que devem ser apresentadas como o “estado da arte” das atuais pesquisas sobre parto domiciliar (50). Portanto, iremos discuti-la com maiores detalhes, apresentando uma síntese dos seus resultados e das críticas já publicadas nas revistas científicas internacionais, motivando até mesmo a publicação de uma errata reconhecendo erros na análise estatística(51).
A revisão sistemática de Wax e colaboradores foi apresentada inicialmente no 30º. Encontro Anual da Sociedade de Medicina Materno-Infantil de Chicago em fevereiro de 2010, publicada online no American Journal of Obstetrics and Gynecology em julho de 2010 e na versão impressa em setembro do mesmo ano (12). A metanálise incluiu 12 estudos originais e um total de 342.056 partos domiciliares e 207.551 partos hospitalares planejados. No resumo do artigo, os autores concluem que os partos domiciliares planejados se associam com menor risco de intervenções maternas, incluindo analgesia peridural, monitoração eletrônica fetal, episiotomia, parto operatório, além de menor frequência de lacerações, hemorragia e infecções. Dentre os desfechos neonatais dos partos domiciliares planejados, verificou-se menor taxa de prematuridade, baixo peso ao nascer e necessidade de ventilação assistida. No entanto, apesar de as taxas de mortalidade perinatal serem semelhantes entre partos domiciliares e partos hospitalares, os partos domiciliares se associaram com aumento de cerca de três vezes das taxas de mortalidade neonatal. 
O artigo em questão gerou intensa polêmica na comunidade científica internacional, seguindo-se diversas cartas publicadas em sequência no próprio AJOG (44,46,47,52), das quais uma tem o provocativo título “Parto domiciliar triplica a taxa de morte neonatal: comunicação pública ou má ciência?” (45). Diante de todas as críticas, o AJOG resolveu investigar o estudo em questão, e a revisão pós-publicação de fato encontrou erros na análise original, embora não tenha alterado suas conclusões (51). A própria Nature se interessou pela questão, porém mesmo solicitando diversas vezes que tanto Wax como o ACOG comentassem os problemas apontados por vários especialistas, estes declinaram o convite (53). A Elsevier, editora que publica a revista, reconhece os erros, mas não acredita que estes possam motivar uma retratação (54).
Tentando resumir a enorme quantidade de críticas feitas à metanálise de Wax, podemos afirmar que, à diferença das revisões sistemáticas da Cochrane, esta não seguiu as diretrizes estabelecidas internacionalmente para condução e publicação de metanálise, como o PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (55) ou o MOOSE (Meta-Analyses and Systematic Reviews of Observational Studies)(56). Diversos erros estatísticos foram cometidos, até porque os autores utilizaram uma calculadora para a metanálise que apresenta vários problemas, resultando em Odds Ratio e intervalos de confiança incorretos, o que foi reconhecido pelo próprio autor do programa (49). No entanto, o principal erro enviesando a análise não foi estatístico, e sim um viés de seleção dos estudos, porque os autores da metanálise excluíram o grande estudo de coorte holandês (4) do cálculo do risco de morte neonatal, embora o tenham incluído no cálculo do risco de morte perinatal. Na verdade, os dados da metanálise são contraditórios em relação à morte neonatal e perinatal basicamente porque os autores definiram morte perinatal como morte fetal depois de 20 semanas ou a morte de um recém-nascido vivo nos primeiros 28 dias de vida, em vez de nos primeiros sete dias de vida, como é a recomendação internacional! (57) Por outro lado, outros estudos usados para calcular o risco de morte neonatal foram incorretamente incluídos e outros que poderiam ter sido incluídos para o cálculo de morte perinatal foram excluídos, por razões que não ficam bem claras. Os dados utilizados para o cálculo de morte neonatal incluíram partos que não tinham sido assistidos por parteiras ou enfermeiras-obstetras certificadas, o que já se demonstrou ser fator importante para redução dos riscos (49). Mesmo revisando os dados e apresentando os gráficos em uma publicação ulterior na revista com os novos números calculados corretamente (51), isto não resolve os sérios problemas metodológicos pertinentes à definição de termos e critérios de inclusão e exclusão (49).
Em suma, como refere Keirse em seu brilhante artigo publicado na Birth em Dezembro de 2010 (“Home Birth: Gone Away, Gone Astray, and Here To Stay”) “combinar estudos de parto domiciliar e hospitalar, sem diferenciar o que está dentro deles, onde eles estão e o que os circunda, é semelhante a produzir uma salada de frutas com batatas, abacaxi e salsão”. (48)
O debate em torno do parto domiciliar, não apenas no Brasil mas em todo o mundo, tem se tornado extremamente polarizado e politizado (48), de forma que nós não esperamos que essas críticas resolvam a polêmica. De fato, pode ser difícil gerar recomendações fortes com base em evidências fracas, oriundas de estudos observacionais, mas o mínimo que profissionais e sociedades deveriam reconhecer é que também não dispomos de evidências fortes corroborando a segurança do parto hospitalar para parturientes de baixo risco e seus neonatos. O desenho de estudo ideal para avaliar uma prática ou intervenção é um ensaio clínico randomizado, e metanálises de estudos observacionais, mesmo quando bem conduzidas e sem erros grosseiros como os encontrados na metanálise de Wax e colaboradores, não têm o mesmo poder das revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados, como aquelas incluídas na Biblioteca Cochrane.
No entanto, randomizar mulheres para parto domiciliar ou hospitalar é virtualmente impossível: de acordo com Keirse, essas mulheres para quem “tanto faz” parir em casa como no hospital seriam tão raras quanto elefantes brancos (48), mas mesmo que estas mulheres fossem encontradas, dificilmente as conclusões de um ensaio clínico randomizado com esta amostra poderiam ser extrapoladas para mulheres diferentes em situações e contextos clínicos diferentes. Mulheres que DESEJAM ter seus bebês em casa diferem substancialmente daquelas que escolhem um parto hospitalar, da mesma forma que os profissionais que prestam assistência a partos domiciliares ou exclusivamente a partos hospitalares também são bastante diferentes entre si (48). 
Dentro do novo paradigma da Pesquisa Translacional, entretanto, em se considerando a implementação de soluções na “vida real”, dentro de uma perspectiva de sustentabilidade e em um modelo de atenção centrado no usuário, é forçoso reconhecer que outros estudos além dos ensaios clínicos randomizados são necessários, o que desafia a hierarquia tradicional da qualidade dos estudos (58). Em um ambiente acadêmico tradicionalmente dominado pelos ensaios clínicos randomizados, desponta a importância de outras abordagens tipológicas não hierárquicas (59). Identificar necessidades, aceitabilidade, efetividade e desenvolver soluções sustentáveis, eis o desafio da pesquisa em Saúde para o século XXI.
Na prática, devemos considerar que tanto gestantes como profissionais de saúde têm sempre o mesmo e primaz objetivo de garantir uma experiência de parto satisfatória, com mãe e bebê saudáveis. Por outro lado, é um direito reprodutivo básico para as mulheres poder escolher como e onde irão dar à luz (60,61). Essa escolha deve ser informada pelas melhores evidências correntemente disponíveis, e essas evidências sugerem, sem se considerar a metanálise equivocada de Wax, que o parto domiciliar é uma opção segura para as parturientes de baixo risco atendidas por profissionais qualificados. Como vantagens em relação ao parto hospitalar se destacam a menor frequência de intervenções para a mãe e o conforto e a satisfação das usuárias, que vivenciam uma experiência única e transformadora em seu próprio lar (37,39,40) As taxas de mortalidade perinatal e neonatal são semelhantes àquelas observadas em partos hospitalares de baixo risco (2-4). No entanto, a decisão final deve se basear tanto nas evidências como nas características e expectativas das gestantes, bem como na experiência e qualificação dos prestadores e nas facilidades de acesso aos serviços de saúde (25,26,28,29).
Mais importante do que criticar as mulheres que escolhem ter um parto domiciliar e condená-las por estarem transgredindo uma “regra” imaginária é discutir e implementar estratégias para aumentar a segurança e a satisfação das usuárias em TODOS os partos (48). Isto inclui tanto melhorar e humanizar a atenção hospitalar no sentido de que os partos assistidos em maternidades ou centros de parto normal possam representar uma experiência gratificante para as mulheres, como estabelecer diretrizes para a seleção adequada das candidatas ao parto domiciliar.
Fotografia: Ana Cristina Duarte
Agradecimentos: Ana Cristina Duarte, Roxana Knobel, Carla Andreucci Polido e Roselene de Araújo, pelos comentários e sugestões; Ana Paula Caldas, por ter cedido a foto e pelo exemplo inspirador.
REFERÊNCIAS
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3. Janssen PA, Saxell L, Page LA, Klein MC, Liston RM, Lee SK. Outcomes of planned home birth with registered midwife versus planned hospital birth with midwife or physician. CMAJ : Canadian Medical Association Journal. 2009; 181 (6-7): 377-83. Available from: http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=2742137&tool=pmcentrez&rendertype=abstract
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5. Amorim MM. Parto Normal vs. Cesárea - (parte 1): a magnitude do problema - Parto - Guia do Bebê 2011. Available from: http://guiadobebe.uol.com.br/parto-normal-vs-cesarea-parte-1-a-magnitude-do-problema/
6. Amorim MM. Parto Normal vs. Cesárea - (parte 2): por que as taxas de cesárea são tão elevadas no Brasil? - Parto - Guia do Bebê. 2011. Available from: http://guiadobebe.uol.com.br/parto-normal-vs-cesarea-parte-2-por-que-as-taxas-de-cesarea-sao-tao-elevadas-no-brasil/
7. Amorim MM. Parto Normal vs. Cesárea - (parte 3): principais pretextos para cesariana sem respaldo científico - Parto - Guia do Bebê 2011. Available from: http://guiadobebe.uol.com.br/parto-normal-vs-cesarea-parte-3-principais-pretextos-para-cesariana-sem-respaldo-cientifico/
8. Parto domiciliar: quando o risco não é necessário – Saúde – Notícia – VEJA.com, 2011. Available from: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/parto-domiciliar-quando-o-risco-nao-e-necessario
9. Lopes AD. Menos sete, menos dez, menos doze quilos! Revista Veja 2011; 98-104. Available from: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx
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